28 de dez. de 2007

A6

“E ele chorava muito e parecia estar num estado de transe, como se tivesse dormindo ou coisa parecida. Tentei acordá-lo, eu já estava bastante desesperada. Mas ele somente gritava muito e chorava por causa da tal dor misteriosa. Aquela cena chamou a atenção das demais pessoas. Um homem se apresentou como médico e começou a examiná-lo.

‘Nunca vi isso, ele está acordado mas seus impulsos nervosos não são controlados por ele mesmo. É um quadro semelhante à epilepsia, contudo...’ o médico cessa ao ver que o jovem não mais grita ou se debate. Muito pelo contrário, levanta-se calmamente e volta ao seu estado normal.

Exceto pelo seu olhar; estava estranho, quase debochado e malévolo. ‘Você está melhor rapaz?!’ o médico pergunta inutilmente pois ele não entende muito de português. Eu pergunto como ele está, abraçando-o e afagando sua cabeça.

‘I can talk to them...They say they want to...to take one of your…you´ll see…the soul…they said we will never…’ As palavras dele não eram somente confusas, mas também aterradoras. Ele podia falar com eles e eles queriam algo de mim... O que seria?

As luzes falham agora, tudo está escuro. Sentimos um calor infernal e uma fumaça verde fosforescente sai pelos dutos de ar. Lembravam uma festa rave, mas sabíamos que aquilo era o nosso fim.

Não sei como, acordei. Estava em uma sala branca, totalmente branca. Eu e as demais pessoas, todas dentro de tubos espalhados sistematicamente pelo chão da sala oval. Os tubos eram preenchidos por um líquido azulado, bem claro, quase da cor do céu. Respirávamos por sondas implantadas em nossas cavidades nasais. Estávamos nus.

Uma porta se abre e um ser entra, e mais outro e mais outros. Eram eu, meus pais, o gato, meu amigo e meu namorado, todos muito bem vestidos de médicos. Eu caminho até o tubo em que ‘eu’ estou ‘Foi divertido não foi?’ Fiquei um bom tempo sem entender até o líquido do tubo foi retirado ‘Vou morrer Renée’ disse eu para mim mesma ‘ e você vai ficar no meu lugar’

‘Todos nós vamos morrer em poucas horas’ disse meu namorado me abraçando. ‘Agora vocês estão prontos para nos substituir’ disse meu amigo. ‘Não se preocupem, vocês não se lembrarão de nada amanhã’ disse meu pai. ‘Miau’ disse o gato para seu clone também.”

‘Renée! Hora do almoço! Se levanta, já são 12 horas!’ – disse minha mãe hoje meio dia interrompendo meu sono...

A5

“Conseguimos a imagem de um Airbus da TAM. O avião vinha de Frankfurt com destino a Teresina mesmo. Vimos os momentos de desespero, vimos as pessoas carbonizarem e se despedaçarem entre as ferragens.

Por incrível que pareça as luzes do avião não desligaram quando este caiu. Viramos à esquerda adentrando um novo túnel; parecíamos saber onde estávamos indo. O tal Airbus estava lá, lembro por causa das luzes acesas e o amassado inconfundível, abrira uma cratera onde antes era a Igreja São Benedito. Não preciso mencionar a morte dos fiéis também.

Uma pessoa sobreviveu ao acidente, um passageiro do Airbus. Outro misto de milagre com susto, era meu namorado, que decidiu fazer uma surpresa também; mas ele era um pouco menos bem humorado que meu amigo, talvez pela cultura de seu país, talvez pelo susto e pela sorte de ter renascido. De qualquer forma, estava muito contente em vê-lo são e salvo também.

De repente, outras pessoas começaram a sair do avião, mas não pareciam de fato pessoas normais e vivas. Algumas sem perna, outras sem cabeça, arrastavam-se umas por cima das outras e por cima de membros palpitantes, deslizando sobre o sangue.

Tirei muitas fotos enquanto corria de costas, não sei como consegui tal proeza. Medo, muito medo. Aquilo tudo era inacreditável e assustador. Dei-me conta de que ainda estava descalça, ainda com roupa social, mas isso não atrapalhou muito. Rasguei um pouco as laterais da saia para correr melhor e abandonei o blaser no caminho. Seguimos correndo pelos túneis até encontrarmos um elevador. Era bem espelhado também, lembrava-me de meu trabalho, a emissora de TV que provavelmente suma em fade out também neste momento.

Subimos, não sei pra que, mas subimos. Quando a porta abriu, três criaturas estranhas,tais quais as que vi na transmissão de Mikerinos, nos fitaram com seus olhares negros e amendoados. Mais fotos e tirei, mais pavor eu sentia. Elas pareciam incomodadas e começaram a correr em nossa direção. Estavam longe o suficiente para dar tempo de fechar a porta do elevador. Descemos até um abrigo alguns níveis abaixo, sem mais esperanças.

Chegamos a uma sala blindada, outras pesoas já estavam no local. Sentamo-nos num sofá grande a esquerda. Estávamos distraídos e anestesiados pelo pânico e pelo medo quando vêm os gritos: ‘My head aches! I can not support this pain!’ o rapaz germânico – que se comunica em Inglês com agente – se lança imediatamente ao chão. ‘What a hell are you saying?! What do you want from me?! What do you want, please,what?!’ Ele realmente não parecia falar conosco...”