10 de mar. de 2008

Biografia dos Infelizes

Trancaram-no em um lugar escuro, pequeno e macio, bem macio. Sabia que estava deitado, entendia que as paredes à sua volta eram espessas, bem espessas. Como não tinha muito o que fazer ali - nem p'ra onde se mexer - pôs se a pensar: "Mas que desgraça... ".

Seguindo uma lógica de racíonio "desgraçada", chegamos a conclusão de que tudo é bem previsível. Certamente tudo o que há por dentro - quando este tenta uma comunicação com o exterior - é de uma transparência inastimável - e lastimável.

Ora mais, o vaticano declarou oficialmente a manipulação genética como pecado, e dos mortais, bem mortais. Então nós, amados pecadores e filhos de Eva, devemos parar de acasalar. Mas veja bem, se - em uma hipótese absurdamente provável devido à fé extrema de nosso povo - pararmos de acasalar, os "verminhos" param de nascer. Com o término da produção de "verminhos" haverá o extermínio dos demais vermes. Se todos os vermes morrerem, quem sobra pra pecar?

Que diabos - olha ele se metendo no texto alheio - a condenação da manipulação genética tem haver com o fim do acasalamento? Vejamos a partir do elementar:

ma.ni.pu.lar v. Tr. dir. 1. Preparar (alguma coisa) com a mão. 2. Preparar (medicamento) com corpos simples. 3. Engendrar, forjar. 4. Oganizar.

ge.né.ti.ca s. f. Biol. Ramo da biologia que trata da hereditariedade e dos mecanismos da sua evolução nos seres organizados.


O acasalamento consiste num complexo processo de manipulação, ou seja, é o preparo (de alguma coisa) com a mão - no caso mais as ''preliminares" - auxiliada de outras ramificaçoes e poros, em corpos simples - e acrescento até alguns meio complexos, cheios de metais, componentes de petróleo, entre outros - dinamicamente engendrados, que foram formados ou organizados em um ciclo-processo semelhante. O resultado da desgraça é uma manufatura - às vezes o produto sai em série - similar aos manufatureiros.

Como tudo o que é natural hoje em dia é feio, criaram um série de termos técnicos com intuito de causar espanto. Particularmente, se sussurrassem pra mim o nome de um ácido graxo tempos atrás, eu mijava meu short.

Depois que contei as desgraças que se passaram na cabeça da pessoa criei minhas próprias conclusões. Ligo essa máquina, essa reprodutora de hiper-realidade, e fico feliz em beijar as imagens das pessoas de que gosto, essas que estão presas da caixinha de vidro (sim, a minha ainda é de vidro...quer me doar uma de lcd?). Apesar de frias, elas não reclamam do meu mau hálito e não me chamam de egoísta; tampouco sou a ''coitadinha'' ou a estúpida; não tentam me atacar; não me escondem, não se escondem. Tem algo ainda melhor: elas olham pra mim como se gostassem de mim também! Assim é perfeito, nunca serei um ser humano frustrado.

Também gosto de falar horrores pros meus detestados. Acho lindas as expressões de suas faces quando me "ouvem" dizer as coisas... eles também adoram gestos obscenos. E fica tudo no anonimato, que nem essas coisas que escrevo aqui, quem diabo - olha ele de novo - se importa?

Semana passada perdi um amigo querido. O nome dele até rima com a palavra "amigo", era um bom rapaz. Bonito no aspecto terreno, parecia com o tal Harry Potter; admirável no aspecto superior, era um quase Einstein - ele era brasileiro... fazer o que... -, uma mente incrível para os cálculos, para as equações e suas icógnitas.

Perdi meu amigo e a semana passou. Com ela passaram também linhas e linhas de raciocínio que eu possuía, mudaram idéias, morreram ideais, surgiram conceitos, abalaram-se princípios, criaram-se denominações, fluíram considerações e principalmente formaram-se opiniões, novas opiniões.

Enquanto isso, do outro lado do rio, repousa, sob a sombra hecatômbica de uma macieira funesta - linda redundância -, o outro. Está livre num lugar amplo e bem iluminado. Decide então deitar-se ao chão, no gramado verdinho e macio - bem macio - a esperar pelo nascer do sol. Animado e contagiado pela atmosfera principiante, concluiu que seus pensamentos o deixavam enfadado.

Decide mudar de assunto. Conversa consigo mesmo acerca de algumas teorias de uns alemães deprimidos, alguns gregos entediados - e entediantes - e tudo mais que era necessário saber pra que se enquadrasse em sua paisagem sem muito esforço. Desconfiado e com um sentimento envenenante - descrito como um sufoco na garganta, frio no tórax e aceleração das pulsações cardíacas, seguidas de um gosto amargo de derrota com prazo de validade vencido -, pôs-se a escrever sobre a própria vida.

Repentinamente, sente uma compressão em seu peito como nunca tivera. Tinha escrito sua vida quase toda. Estava quase chegando àquele dia, faltavam algumas horas e alguns detalhes da macieira... só isso! Mas agora não tinha mais forças pra escrever, estava enfartando, morrendo, agonizando. Como não conseguia se mover, conteve seu último pensamento, o mais profundo de todos. Uma pena não tê-lo escrito, sua biografia ficaria respeitável.

Acharam seu corpo uns 2 dias e meio depois. Sua expressão facial havia escrito seu último pensamento. Este foi tão intenso e complexo que a "encontradora" do outro, uma garotinha de 19 anos e má formação congênita, conseguiu extrair sua essência e transformá-la em uma frase: "Mas que desgraça..."

Ela era apagada, bem apagada. Agora é invisível, bem invisível.

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